O que se temia, foi alertado, exposto em dados e ganha, infelizmente, a dimensão esperada. Dezenas de milhares de empresas, principalmente de micro e pequeno porte, fecharão suas portas definitivamente.
“Mesmo findo os períodos de quarentena, teremos ainda longo período de recessão. Além da retração dos consumidores, despesas com funcionários, estoques comprados e não vendidos, fato do príncipe (decretos obrigando suspensão de atividades empresariais)), estas empresas, com poucas exceções, não têm reservas financeiras para longos períodos de inatividade ou recessão, não têm acesso a financiamentos. Podem até reduzir drasticamente seus custos a, com muito esforço, menos de 20% dos tempos normais”, analisa Percival Maricato.
– Se perceber que não sobreviverá, o empresário deve pensar em como fechar as portas de forma gradual e organizada, evitando ter como herança problemas futuros e relação a reclamações trabalhistas, execuções fiscais, inquéritos ou processo de falência com investigação sobre paradeiro do patrimônio da empresa, acusações de conduta irresponsável, processos penais de sonegação, a desconsideração da pessoa jurídica nas cobranças, impedimento de abrir ou se associar a novos negócios ou mesmo ocupar um bom emprego por longos anos e tantos outros comuns para quem fecha apenas de fato e procura fingir-se de morto.
De acordo com Percival Maricato, se as dificuldades já são tantas que fazem prever o encerramento das atividades, talvez seja o caso de aproveitar as energias físicas e psíquicas e as reservas financeiras, quem sabe a venda de estoques, marca e bens intangíveis, reunir créditos ainda possíveis, para ir, cortando custos e reduzindo passivos, devolvendo equipamentos, desligando e indenizando funcionários, liquidando dívidas , gradualmente, extinguindo ou reduzindo obrigações até onde for possível.
Pontos centrais de atenção para encerramento de empresas:
1. Dívidas trabalhistas
A liquidação das obrigações trabalhistas é prioritária. E não só pela questão humanitária e reciprocidade, como por ser a Justiça do Trabalho mais eficiente e de maior resiliência em condenar a empresa, executar créditos dos reclamantes e decretar com mais facilidade a desconsideração da pessoa jurídica.
Condenada a empresa, se esta não tiver condições de pagar, seus sócios terão sua vida e declarações de renda dos últimos cinco anos vasculhadas, na busca de bens que satisfaçam as condenações (bens de algum valor, contas em banco, veículos, imóveis, ações, créditos, doações ou vendas no período pré-insolvência etc.).
Não é difícil obter-se em outras áreas da justiça a chamada prescrição intercorrente (extinção da ação por ficar mais de cinco anos arquivada, sem atividade do credor), o que não costuma ser admitido na Justiça do Trabalho.
Ou seja, a busca por bens durará muitos e muitos anos. Melhor, pois, ir liquidando gradualmente essas obrigações, fazendo acordos, parcelando pagamentos, procurando homologá-los na Justiça do Trabalho sempre que viável.
Importante que, mesmo se fechada a empresa, mesmo que o empresário sinta já não dispor de nada mais com que responder pela dívida da reclamação (vale para qualquer outra cobrança ajuizada), ele deve evitar a revelia ou seja, deve se defender em juízo, para reduzir o valor da possível condenação tanto quanto for possível.
Como dito, ele pode ficar mais que décadas sendo cobrado insistentemente e quanto mais elevado o valor, mais o credor insistirá em receber. Por outro lado, nunca se sabe se o empresário não conseguirá se reabilitar no mercado e voltar a ter condições de abrir ou voltar a ser sócio de uma outra empresa, ou poderá acontecer dele receber herança.
E então, deixando correr as cobranças sem se defender, poderá ser cobrado por valores vultosos, até delirantes.
Outra consequência será o registro dessas reclamações (tanto como demais ações de cobrança) nos distribuidores de ações de cada área da justiça (trabalhista, estadual, federal), dos serviços de proteção ao crédito, tolhendo financiamentos, cheques especiais e cartões de crédito, a possibilidade de acesso a determinados empregos, dificultando o exercício de profissão, por muitos anos, até mais de década.
2. Defesa contra cobranças de fornecedores, prestadores de serviço e do fisco
Com fornecedores e prestadores de serviço, deve-se ir aos poucos cortando despesas e tentando acordo, como, por exemplo, devolvendo produtos e equipamentos, trocando dívida por patrimônio e estoques, reduzindo e parcelando outras existentes.
Para um credor que percebe a insolvência do devedor, é bem melhor receber o equipamento semi usado de volta, parcelar uma dívida em 30 pagamentos ou mais, com fiador melhor ainda.
Ou seja, é melhor receber o possível do que arriscar ter que ir a Juízo, gastar com advogado e nada receber ou ter que esperar mais tempo ainda, devido a lentidão do Judiciário.
O fisco (dívidas tributárias e previdenciárias) é outro problema no horizonte. Todos sabemos que com reservas escassas, as primeiras contas que o empresário deixa de pagar são as tributárias.
Muitas outras são consideradas prioritárias.
E colabora para essa conduta o fato do fisco, há o federal, os estaduais e os municipais, ser bem mais demorado em cobrar seus créditos.
Esperam a dívida tributária acumular por meses seguidos para só então iniciar os procedimentos de cobrança extrajudiciais, seguido de execuções fiscais, que também poderão ficar por mais de década correndo nos fóruns, sempre na busca de bens a penhorar.
Em certas situações o fisco permite parcelamentos, às vezes por programas especiais (Refis…), que convém aproveitar, principalmente se o empreendedor pretende no futuro próximo voltar a empreender ou se tem bens a penhorar.
Deve o empresário ter cuidado com aumentar ou “rolar” a dívida, recusar acordos, pois o Judiciário pode ser lento, mas as cobranças no mesmo são feitas com incidência de juros, correção, honorários de advogado do credor, multas, custas judiciais.
Isto sem contar que o devedor tem que constituir e pagar o próprio advogado.
3. Recuperação judicial, falência, insolvência.
A empresa devedora pode ainda apelar para o processo de recuperação judicial, complexo e demorado, vantajoso quando tem patrimônio, estoques, créditos, para negociar com credores, possibilidades de recuperação.
É recurso pouco usado por pequenas empresas e no setor de serviços, mesmo por médias e grandes, pois nestas é raro existir estoques para ir trabalhando e patrimônio a defender.
Poderá ainda pedir autofalência ou ter sua falência requerida por terceiros e decretada pelo Juiz. É procedimento que convém evitar, especialmente se não se têm livros contábeis em ordem, não se sabe explicar onde foram parar recursos e patrimônio, como se deu o aumento da dívida.
Se para a pessoa jurídica existe falência, para pessoa física existe o processo de insolvência. Pode se dar com sócios que, após a desconsideração da pessoa jurídica, também não conseguem adimplir dívidas.
Nesse caso, ficam “insolventes”, perdem o crédito, a disponibilidade do nome para novo empreendimento e por vários anos (formalmente cinco após o encerramento da falência ou insolvência).
4. Cobranças de locadores e bancos
As cobranças de bancos e locadores submetem-se às situações acima, com poucas diferenciações. O locador pode cobrar os alugueres atrasados, mas costuma antes ajuizar despejo por falta de pagamento e nada pior para o bom nome de uma empresa.
O locador costuma atrasar mais de três meses de alugueres não pagos até decidir pela proposição da ação de despejo, pois rotineiramente se tenta negociações e acordos. Mesmo após propor a ação, o despejo só é decretado, em condições de normalidade do funcionamento do fórum, mais de seis meses após, muito mais ainda se for discutir força maior ou o locatário tiver alguma justificativa para não pagar (uma reforma necessária há muito solicitada e não feita).
No entanto, pode ser uma dívida que irá ficando caro e se a empresa vai fechar mesmo, pode convir evitar esse passivo acumulando-se e rescindir o contrato amigavelmente, parcelando a dívida, evitando multa contratual. Reitere-se que com raras exceções, os credores preferem receber valor menor ou a médio e longo prazo do que ficar litigando.
Quanto aos bancos, os negócios mais rentáveis do país, já têm provisão de perdas, e perante situação difícil do devedor, também tentará negociar por meses, oferecendo redução de valores e parcelamentos de longo prazo, condições, tanto melhor se houver avalista.
Inexistindo propostas razoáveis do banco, convém a empresa consultar advogados, pois os contratos bancários, não raro, têm cláusulas abusivas, juros exorbitantes e inadmissíveis na convivência civilizada.
Perante um processo judicial, o banco fica ainda mais propenso a fazer acordos razoáveis. E quando percebe que o devedor não tem como pagar, pode desistir de prosseguir com a ação e permitir seu arquivamento e a prescrição intercorrente.
O pior acontece quando ele vende esse “crédito podre” a empresas especializadas em cobranças, estas insistirão muito mais no recebimento.
5. Força maior e outros fundamentos de resistência do devedor
Em sua defesa, nas dívidas acumuladas ou agravadas pela crise do coronavírus, a empresa pode alegar descumprimento por motivo justo, a quarentena, fuga de consumidores, acontecimentos responsáveis por oneração excessiva das obrigações, imprevisibilidade, fato do príncipe, força maior e etc.
A crise é fato notório, o que pode ajudar a rescindir contratos (sem pagamento de acréscimos e multas) e reduzir e/ou parcelar dívidas além de evitar desconsideração da pessoa jurídica, tudo como explicado mais suscintamente, inclusive com fundamentos jurídicos, na cartilha supra referida.
Adite-se que a negociação, em situação tão extremada, é uma obrigação do credor.
6. Desconsideração da pessoa jurídica
Como dito acima, um dos maiores riscos que corre o empresário que fecha a empresa ou acumula dívidas sem pagar é a desconsideração da pessoa jurídica. Acontece quando o credor, constatado que a empresa não tem como pagar a dívida e nem bens para serem penhorados, pede que o juiz desconsidere a empresa e dirija a execução contra o patrimônio de seus sócios.
A desconsideração só deve ocorrer caso haja alguma irregularidade na atividade da empresa: dívidas excessivas ou suspeitas, livros contábeis incompletos, sumiço de patrimônio, sonegação de informações, desvio de finalidade, confusão patrimonial, atos ilícitos e irregulares, enfim, e contra o sócio ou sócios responsáveis.
Muitas vezes, o simples fechamento de portas sem informar a junta comercial, de novo endereço, pode ser suficiente para a medida extrema.
E então a perseguição do credor continuará, contra o sócio (ou sócios), pelo que possui, exceto o bem de família (onde reside a família), muitas vezes pelo que têm ou vendeu quando já era visível a insolvência, por possíveis aquisições no futuro, inclusive herança do pai, da mãe ou quem quer seja.
Se esse empresário formar nova empresa ou entrar de sócio em alguma outra, o patrimônio ou quotas desta, correspondente a esse empresário, serão suscetíveis de penhora.
Por isso é importante que o empresário que resolve fechar as portas em definitivo decida se não vale a pena já ir vendendo patrimônio e pagando como pode os credores, e fazendo prova, que devem ser guardadas por muitos anos, dessa sua conduta, da boa-fé e idoneidade no encerramento de atividades, se possível com o encerramento formal da empresa, muito mais difícil, mas muito mais seguro.
Muitas vezes o empresário não só não desvia bens, como até pede empréstimos à família ou terceiros, vende seu veículo ou o apartamento na praia, para pagar essas dívidas, mas não guarda documentos comprovando sua conduta ética e responsável.
E então, quando requerida a desconsideração da pessoa jurídica, anos após, não sabe como provar sua inocência.
7. Encerramento legal, venda da empresa ou admissão de novo sócio
O mais seguro no encerramento das atividades é fazê-lo também formalmente, junto aos órgãos públicos. Mais de 90% das pequenas empresas que fecham as portas de fato no país, não fazem isso, pois é necessário dezenas de documentos.
Não obstante, sendo possível, é bem melhor, pois o empresário fica reabilitado para novas ações no mercado.
Quem também prevê que terá que encerrar a empresa pode procurar imediatamente compradores para ela.
Evidente que se puder vender tão bem que possa recuperar seu investimento e trabalho, até ter lucro, o empresário deve fazê-lo.
Mas em certas situações, na “bacia das almas”, findo o gás e próximo do fechamento de fato, existindo um comprador idôneo (não só pelo nome, mas também por possuir patrimônio, fiador, garantias), que se responsabilize por todas as dívidas, convém repassar a empresa por preço simbólico ou por preço a pagar daí a um ano, ou ainda para pagamento parcelado, a perder de vista.
Se a empresa tiver bom nome, marcas, produtos, good will, com novos sócios e injeção de capital poderá se reerguer. Nos tempos atuais, os valores intangíveis normalmente valem muito mais que valores materiais, patrimoniais.
Sempre o empresário deve pesquisar muito bem a quem está vendendo, exigir alteração do contrato na junta, pois do contrário estará apenas aumentando seus problemas em vez de ter soluções.
A venda sem essa certeza, tanto como nos demais casos, mas com muito mais necessidade, deve ser precedida de contrato detalhado, formal, com orientação de advogado, um anexo de bens, créditos, dívidas, estoques, faturamento médio (antes da crise) etc., e rápida alteração do contrato social na junta comercial, na data em que se entrega a posse.
De tal forma que o comprador não tenha como alegar estes ou aquele detalhe não cumprido, para não cumprir as obrigações que assume.
A venda será tanto mais fácil quanto melhor estiverem os livros, quanto menor for a dívida, mais conservado o patrimônio, razoável a duração do contrato de locação e o valor do aluguel, o crédito na praça, menor os riscos trabalhistas.
E principalmente, o potencial da empresa para fazer sucesso com nova administração.
O empresário poderá ainda optar por procurar por sócio com capital, o que não é nada fácil em tempos difíceis, poderá vender algo e injetar recursos, todas fórmulas que devem ser bem pensadas, sem emoção ou ilusões, sem se apegar por demais à empresa, sem trata-la como alguém da família, pois esses momentos exigem frieza e racionalidade.
fonte: Jornal contabil